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Transformando cidades brasileiras em espaços para pessoas e caminhar

Atualizado: 16 de set. de 2024

Diretora do Instituto Caminhabilidade discute o impacto da mobilidade urbana e a necessidade de cidades mais acolhedoras para a qualidade de vida





Por Sofia Missiato Barbuio


Letícia Sabino, fundadora e diretora do Instituto de Caminhabilidade, está há 12 anos à frente de uma missão: transformar as cidades brasileiras em ambientes onde caminhar é a melhor opção de deslocamento e convivência. Ao longo desse período, ela desenvolveu metodologias para incluir as pessoas no processo de reconfiguração urbana, levando o Instituto a um alcance nacional.

Durante a entrevista concedida a AdC, Letícia enfatizou que a questão central de sua atuação é a mobilidade e o acesso aos espaços públicos. Para ela, a qualidade de vida nas grandes cidades está diretamente ligada à possibilidade de caminhar com segurança e conforto. No entanto, a segregação socioeconômica e a cultura centrada no uso de carros são barreiras a serem superadas.

 

Segundo Letícia, o distanciamento das pessoas em relação aos centros urbanos e o foco na mobilidade motorizada criaram cidades excludentes, onde morar perto dos serviços essenciais oportunidades é um privilégio. “A maioria das pessoas gostaria de deixar os grandes centros urbanos se pudessem, indicando que esses ambientes não são acolhedores", afirmou.

 

Ela também destacou o impacto da falta de tempo na participação popular em questões urbanas. “Muitas pessoas não conseguem se engajar nesses processos por conta da sobrecarga de trabalho e cuidado, o que limita a luta coletiva”, disse. A mudança cultural necessária para reverter a prioridade dos carros em relação às pessoas exige sensibilização e exemplos práticos.




 

Para isso, o Instituto de Caminhabilidade realiza projetos como o Sentindo nos Pés, que convida líderes e autoridades a experimentar as cidades a pé, vivenciando os desafios e benefícios de um ambiente caminhável. “É uma maneira de aproximar o tema da realidade dessas pessoas”, explicou Letícia.

 

Projetos de análise dos trajetos a pé, ruas e espaços públicos com perspectiva de gênero e raça é uma das estratégias do Instituto para criar soluções para as cidades centradas nas pessoas. Outro exemplo de sucesso é o Prêmio Cidade Caminhável, organizado pelo Instituto e que tem como objetivo reconhecer e premiar projetos e iniciativas realizadas por órgãos públicos em municípios brasileiros que tenham contribuído para melhoria da caminhabilidade.

 



A visão de Letícia Sabino para o futuro das cidades brasileiras é clara: mais espaços para caminhar e conviver, promovendo equidade, segurança e sustentabilidade.

 

AdC: Como nasceu o nome Instituto Caminhabilidade? E como a transição do SampaPé! para a nova identidade influenciou a missão da organização?


O nosso primeiro nome era muito vinculado ao território de São Paulo. E a gente faz projetos focados nos territórios, mas em diferentes territórios, porque a gente entendeu que a temática que a gente está lidando é uma problemática de todas as cidades brasileiras, e que a gente começou a desenvolver muito mais metodologias de como trazer as pessoas para participar. E essas metodologias podem ser aplicadas em diversos territórios, então fazia muito sentido isso ter um alcance nacional, poder levar para outros territórios, para outros espaços, pensar cidades que sejam melhores para as pessoas caminharem e estarem nos espaços públicos. E o desenvolvimento da organização vem muito de alguns questionamentos, de por que as pessoas não gostam de morar em grandes centros urbanos. E muitas dessas razões, apesar de ninguém falar diretamente, é porque eu não consigo caminhar com qualidade ou acessar as coisas com qualidade. A gente entendia que todas essas problemáticas estão relacionadas com mobilidade e com espaços públicos, porque muitas pessoas moram longe dos serviços essenciais, se sentem muito inseguras, acham que a cidade é muito poluída, muito barulhenta, enfim, muitas problemáticas com os veículos motorizados.


AdC: A promoção da cultura do caminhar é uma das frentes de atuação do Instituto. Quais desafios e vocês enfrentam para conscientizar pessoas marginalizadas na importância da caminhabilidade?


Ainda é muito difícil as pessoas entenderem isso como um problema, porque está normalizado ser muito ruim a cidade, ser muito ruim caminhar. Então, às vezes, as próprias pessoas que são vítimas, acham que realmente tem que ter mais espaço para os carros, tem que ter mais espaço para os outros, porque foi uma construção social, assim, uma submissão. Teve uma questão de classe, acho que o carro e as pessoas vendendo ele é a melhor representação disso, é como se a gente tivesse que submeter essa prioridade dos carros, que representam o poder e representam a riqueza e várias outras coisas, e nos secundarizassem. Então, tem um processo cultural, histórico, que é muito difícil de enfrentar, que é como você reverter essa lógica e mostrar que não, que está errada e que as pessoas são mais importantes do que os veículos passarem na rua e que o que está acontecendo é um modelo de segregação, de diminuição mesmo, do caminhar na cidade. Então, acho que essa concentração passa por esse lugar cultural muito difícil. Mas, além disso, eu acho que tem outras duas questões. Uma das questões é tempo mesmo de parar para pensar nisso, de participar, de desenvolver, porque isso é muito controverso, porque as pessoas justamente não têm tempo, porque a gente tem essas cidades que afastaram as pessoas dos trabalhos e que tem jornadas e distâncias muito longas de serem percorridas, sobrecarga de cuidado com a casa, com os filhos, com o entorno, e aí toda essa sobrecarga também te limita de ter esses espaços, de luta coletiva, em muitos momentos, de poder se organizar, parar para refletir, para participar desses processos. Vai ficar difícil de entender como encaixa isso em uma rotina que é tão corrida, e que por ser muito corrida, também, às vezes, não tentava só, quando dá, dedicar os tempos para produzir recursos também financeiros, porque, exatamente, você precisa sim, porque se você não tem a mínima garantia, você tem que usar todo o seu tempo mesmo para isso. E aí quando você faz uma coisa que é mais estrutural, que não vai gerar nenhum recurso, nenhuma produção, ela vai melhorar a sua qualidade de vida, que vai te ajudar a ter acesso, mas ela é como se fosse um meio, é muito difícil de aproximar das pessoas.

 

AdC: Autoridades: O que você diria às pessoas que ainda enxergam a caminhabilidade como um conceito secundário ou pouco relevante em comparação com outras prioridades urbanas, como o transporte motorizado?


A gente precisa pegar nesse lugar cultural que todas elas são impactadas, né. Igual toda outra cidadania que não vê muita relevância nisso. E você precisa sensibilizar. E da mesma forma. Então, são pessoas que precisam ser sensibilizadas sobre o tema. E aí, a gente percebeu isso. E a gente partiu de um lugar em que a gente faz muita pesquisa, traz muitos dados e tal. Mas na hora da tomada da decisão, não é isso que faz a pessoa priorizar ou mudar a escolha. E a gente entendeu que era a partir da experiência, do próprio olhar daquela pessoa. Há um tempo, fizemos um projeto que chama Sentindo nos Pés, em que convidamos pessoas que estão em cargos de influência para caminhar conosco “sentindo na pele”, ou melhor, nos pés, como é se deslocar a pé na sua cidade, desafiando-as a apontar o que é bom e ruim no caminho. Assim, a gente sai um pouco desse lugar de especialista, porque já temos esse conhecimento, e quem fala são as próprias pessoas.

Eu já estou trazendo aqui o conhecimento numa sala fechada, numa reunião. E quero que você comece a achar que isso é uma coisa muito importante. E a gente deu uma montada um pouco nesse processo, porque como é mobilidade, a gente sabia que a gente podia trazer as pessoas para vivenciar. E aí, a gente convida mesmo as pessoas para irem para a rua, caminhar, escolhem sim o trajeto, nunca vai ser uma experiência completa, vai ser a realidade de cada pessoa. De como as pessoas priorizam os carros, o que é uma experiência muito ruim, e que inviabiliza as crianças de terem autonomia na cidade. E assim, eu posso falar isso, mas a gente entendeu que era muito mais potente fazer as pessoas observarem isso. Tipo, por elas mesmas, com essa experiência de caminhar. E aí, poderem refletir com esse tema.

 



O assunto do movimento urbano foi da negação do natural e o natural sempre voltando e aparecendo de outras formas. Tem pessoas achando até que esse natural quase incômodo e atrapalha a vida na cidade. Só que não, precisamos dessa relação com o ambiente natural. Então, a gente tem essa visão frontal. Se hoje não tem natureza nas grandes cidades é porque soterramos essa natureza embaixo do urbano.

 
 
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