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Mudanças no cenário internacional e novos desafios da agenda ESG

ESG - O caminho da transformação, uma série da AdC



Por Ana Luiza Mahlmeister


As organizações sociais que atuam na periferia têm novos desafios face às mudanças no âmbito internacional e escassez de capital interno. Quais os impactos na agenda ambiental, social e de governança (ESG) no Brasil atual?


Quem nos ajuda a entender um pouco mais este cenário é Graziella Comini, professora associada do Departamento de Administração da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA–USP) que destaca a importância da parceria entre o setor privado e as organizações não governamentais (ONGs), como a Aventura de Construir, para obter resultados.



Começamos pelo conceito ESG e sua evolução. Surge como um movimento de responsabilidade social corporativa sobre os impactos no entorno dos empreendimentos (no bairro ou município), na década de 90.


“De início é uma iniciativa altruísta que questiona onde a fábrica será construída e quais os recursos daquele município levando em conta múltiplas variáveis sobre a população, como aumento da poluição e problemas ambientais e sociais, indo além da geração de empregos”, explica Graziella.

Tudo isso gera impactos positivos e vai ganhando corpo até o ano 2000, mostrando que a sustentabilidade ligada à justiça social se traduz em impostos e movimenta a economia.


Além das empresas, entram outros atores como o setor público e a sociedade civil que abraçam o desenvolvimento sustentável. O marco é a Eco 92, que aconteceu no Rio de Janeiro, fruto de uma semente lançada em 1987 pelo Relatório Brundtland que destacou a importância do desenvolvimento sustentável, influenciando a política ambiental global.


“O ESG é um conceito antigo, cuja pressão por resultados foi aumentando junto às empresas para pensarem ações de impacto para as comunidades próximas”, diz Graziella.

Isso resultou no tripé econômico, social e ambiental entre 2000 e 2020 com a criação de fundações e áreas voltadas a estas questões.


“Divisões antes periféricas entram no ‘core’, isto é, na área principal das empresas em busca de resultados econômicos, sociais e ambientais, repensando procedimentos e processos para minimizar impactos, agregando objetivos econômicos”, afirma Graziella.

A partir de 2020 entra o olhar dos bancos. Eles começam a cobrar ações mais efetivas nessa área como contrapartida para oferta de crédito.


“Entrou em cena uma política mais impositiva com a necessidade de demonstração dos impactos ambiental e social positivos, ou seja, o mercado financeiro cobra ações mais efetivas, contemplando também a governança corporativa, e exigindo indicadores e métricas sobre inclusão e diversidade nas empresas”, explica Graziella.

Com as crises trazidas pelas mudanças climáticas, entra a cobrança dos consumidores. Nos países em desenvolvimento, onde a desigualdade está mais em evidência, vários elementos se combinam: a questão social e meio ambiente se conecta aos problemas de saúde, provocando um efeito cascata em termos de aumento da temperatura e degelo que são relacionados aos setores que emitem mais gazes de efeito estufa. Esse movimento afeta as novas gerações e as organizações corporativas e financeiras que questionam seu papel nesse cenário.


É um movimento endógeno do sistema capitalista para se diferenciar acrescido da cobrança dos conselhos de administração para poder vender produtos a países com regulamentações mais exigentes na pauta ambiental. A Europa e os países escandinavos, em parceria com países da América Latina, por exemplo, têm iniciativas para o rastreamento de produtos, com indicação de origem e destinação, mesmo de pequenos produtores.


Outra dimensão positiva da ESG é a atração de recursos humanos, com uma nova geração mais comprometida com as pautas ambientais.

Estudos recentes mostram as vantagens da parceria entre as grandes corporações e as organizações da sociedade civil para ações nessa área. Sem reinventar a roda, ONGs como a Aventura de Construir criam soluções levando em conta questões econômicas, de inclusão e sustentabilidade (uso da água e reciclagem de resíduos).


“É um relacionamento ganha ganha que estimula o micro empreendedorismo no entorno, inclusão social e pautas de meio ambiente”, diz Graziella.

Com a chegada de Donald Trump ao governo dos Estados Unidos, será necessário algum tempo para analisar os efeitos de mais protecionismo, valorização da produção local, fechamento de fronteiras e taxações. Desde o início de sua administração, houve um enfraquecimento das regulamentações ambientais, uma postura menos rigorosa quanto a questões sociais e uma ênfase na desregulamentação do mercado.

“Vejo com preocupação uma reversão nos ganhos – que foram lentos nesses anos, mas que deixaram marcas”, afirma Graziella.

Na contramão das pautas ESG, os EUA, como potência de fato e papel importante nas exportações, deixou o Acordo de Paris, -- um tratado internacional que visa combater as alterações climáticas adotado em 2015 e que entrou em vigor em 2016.


“Isso legitima ações negacionistas: vemos grandes consultorias fechando áreas específicas de pesquisas sobre ESG, multinacionais estão deixando em segundo plano a equidade nas contratações e abandonando pautas de sustentabilidade, retrocedendo em políticas afirmativas que levaram anos para ganhar espaço nas empresas”, completa Graziella.

Esses retrocessos, em sua avaliação, não devem acontecer na mesma medida no Brasil, mas em sua opinião, muitas multinacionais vão colocar orçamentos em “stand by”, ou seja, não vão alocar o mesmo investimento.


Estamos vivendo os efeitos das mudanças climáticas em todo o mundo, onde as áreas mais pobres sentem mais os efeitos como calor e degelos.


“Este momento de descrença não vai obstruir as tragédias e, paradoxalmente, veremos ações mais lentas e um atraso na consciência dessa nova realidade”, diz Graziella.

Em sua opinião, seria pior se estivéssemos no governo passado: hoje há mais sensibilidade nas questões da Amazônia, por exemplo.


“Não dá para voltar atrás, mas o perigo é não avançar na agenda, há ganhos, mas os próximos passos vão exigir mais esforço”, destaca Graziella.

Uma das grandes preocupações, além da questão ambiental, é o que vai acontecer com os núcleos de diversidade.


“As grandes empresas dos EUA estão retrocedendo nessa bandeira que sempre foi importante; não significa que vão abortar a questão, mas há um sério risco de enfraquecimento”, diz Graziella.

Apesar de tudo, ela é otimista com o Brasil, onde a desigualdade ainda é muito forte.


“Tenho dificuldade em imaginar que grandes executivos abandonem pautas importantes quando confrontados com a com a questão social, levando em conta inclusive o impacto na violência e aumento da criminalidade”.

Para ela, o efeito Trump deve provocar um atraso, mas não desfazer iniciativas.


“Não podemos perder as poucas vitórias alcançadas e observar também qual será o efeito no setor público em 2026: fica a preocupação com esperança”, ressalta.

Um dos perigos é o desincentivo ao voluntariado que foi muito forte nos anos 90. É necessária uma revalorização dos talentos e maior ênfase nas soluções colaborativas entre as empresas e as organizações sociais, afirma Graziella.


Essa parceria facilita o acesso aos territórios onde as companhias estão inseridas, em municípios com alto índice de pobreza, ajudando em diagnósticos que vão resultar em ações socioambientais.


É importante deixar o pessimismo de lado: há muito a ser feito e as organizações sociais são porta-vozes dos ganhos alcançados.


“É possível vencer a onda negacionista norte-americana se apoiando no bloco europeu que não compactua com essa visão retrógrada”, diz Graziella.

Ela reforça que nesse momento as empresas devem manter os compromissos de responsabilidade ambiental, social e de governança, sem assistencialismo, ajudando a divulgar que o investimento social privado gera sustentabilidade, fruto de parcerias.


Como as empresas não têm expertise ou áreas específicas de responsabilidade social, é fundamental a aliança com as ONGs presentes na comunidade. Por serem organizações menores são ágeis em soluções criativas e baratas, com benefício para as grandes empresas.


“É uma grande oportunidade para os negócios sociais inovadores com ganho reputacional para as empresas parceiras”, explica Graziella.

Conforme mostra o estudo Conexão ESG: 4º. Mapa de Negócios de Impacto Sócio+Ambiental realizado pela Quintessa e Pipe.Social que ouviu 114 grandes empresas, há uma evolução do tripé junto às organizações ao longo de cinco anos. A adesão à agenda passou de 53,54% em 2018 para 59,46% em 2023.


Sobre as temáticas de atuação e demanda, 56% das empresas atuam sobre resíduos, 33% em energia e biocombustíveis, 31% em florestas e uso do solo, 15% em educação, e 12% em saúde.


O estudo mostra ainda que a pauta social aparece relacionada às de desenvolvimento territorial (desenvolvimento dos locais onde a empresa possui operação) – comumente cuidada pelas áreas de responsabilidade social –, e desenvolvimento de novos negócios, comumente cuidada pelas áreas de inovação.

 
 
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